terça-feira, 31 de março de 2015

jornal i #16 Hitchcock e Varoufakis

o meu texto de hoje, para o jornal i,


O mundo foi agraciado com mais um suspiro, como que a dar sinais de vida, de um tipo de left wing que se julgava extinto. Esquerdistas radicais de todo o mundo rejubilaram com os seus novos compagnons de route; senhoras, seduzidas pelo dandismo e rebeldia-caviar do sr. Varoufakis, lutaram contra fogachos indomáveis. Mas em Varoufakis nada é novo. O ministro recorda o poema “Fúria e Raiva”, de Sophia: “Com fúria e raiva acuso o demagogo/ que se promove à sombra da palavra/ e da palavra faz poder e jogo/ e transforma as palavras em moeda/ como se fez com o trigo e com a terra”. 

Qualquer mente civilizada, logo prudente, sabia tanto do ministro grego quanto Fontaine, em “Suspicion” do Hitchcock, sabia de Cary Grant. Suspeitava que Varoufakis seria mais um desses socialistas cabotinos que procuram, forçosamente, conciliar uma vontade infantil e narcísica de mudar o mundo e… o mundo; esses que sofrem, coitados, da incapacidade, tipicamente esquerdista e hipócrita, de distinguir discursos de comportamentos, a teoria da prática, vendendo esperanças desmedidas. Mas, como Fontaine, ninguém estava certo. 

E eis que Varoufakis dá razão aos prudentes; não, não me refiro ao cachecol. Nem ao dedo maroto exibido aos alemães. Noticiava o “Daily Mail” que o sr. ministro, embaraçado depois do “caso” “Paris Match”, decidiu que o look anti-austeridade seria mau para o negócio da polis. Vai daí, decide colocar a sua mansão de férias para arrendar por 5 mil euros por semana. 

Tudo isto corresponde a um padrão, superiormente descrito pelo jornalista e escritor brasileiro Rodrigo Constantino, no livro “Esquerda Caviar”, já à venda em Portugal. 

sexta-feira, 27 de março de 2015

uma voz humana





L'amore, Roberto Rossellini (1948)

a mesma tragédia, o mesmo jogo de cintura, com todo este desespero, todo este êxtase e encolhimento. de um momento para o outro, um nome fantástico, uma voz humana, as palavras das coisas, que se perdem, que se desenrolam, que tombam, de repente. "Meravigliosa interpretazione dela Magnani", triste memória, ainda intacta, a dos amantes, mortos tão cedo. 


quinta-feira, 26 de março de 2015

justiça feita

finalmente: um monumento a Don Draper.

Entourage

nunca achei muito boa prática a realização de filmes a partir de séries (traumatizada com o caso "Brideshead Revisited" que deu origem a um filme aviltante em relação à série dos anos 80). Ao inverso sempre fui mais tolerante (pensando, por exemplo, em "Psycho", do Hitch, e na série Bates Motel ou em "Scenes from a marriage", do Bergman). de todo o modo, "Entourage" pode ser um caso especial. só por causa do Jeremy Priven (Ari gold). veremos. o trailer já circula.


terça-feira, 24 de março de 2015

jornal i #15 "Impeachement", dizem eles

O meu texto de hoje, para o jornal i: 



Segundo a imprensa do país que deu o samba ao mundo, Dilma tem pé de chumbo e ouvido duro. No dia 15 de Março um corpo de milhões brasileiros de vários campos políticos andou a passear-se pelas ruas de S. Paulo exigindo o impeachment da presidenta petista. A história é uma edição revista e aumentada da “marcha dos cem mil” que gritava pela cabeça de Fernando Henrique Cardoso, corria o ano de 1999, o primeiro do segundo mandato de FHC. 

Repare-se que a data escolhida foi precisamente um domingo, de modo a não causar transtornos para o trabalhador ou utente dos diversos serviços da cidade. Esta diferença é assinalável: a esquerda quando sai à rua só encontra paralelo nos estudantes em greve: motivo de baldanço às aulas e magna oportunidade para apresentar os seus dotes de comediante numa qualquer RGA. Nas ruas de S. Paulo não havia nenhuma organização partidária ou sindical; os cartazes não exibiam pedidos de “direitos” ou de qualquer tipo de privilégios mas sim o fim da corrupção, menos impostos, menos Estado, menos petismo e nenhuma Dilma. Ali pedia-se mais respeito pelas instituições democráticas. Na visão de um advogado de ex-primeiro-ministro, terá sido uma “manif” com contornos de elegância por ali faltarem os tradicionais revolucionários de sovaco bravo a precisar de tomar banho. 

Nada que se compare com o nosso país, onde temos assistido, em sectores como o dos transportes, a uma banalização do direito à greve com as consequências a caírem sobre o utente. 

sábado, 21 de março de 2015

tristes desencontros

não consigo compreender como é que Elizabeth Taylor, depois de contracenar com Montgomery Cliff, em Suddenly Last Summer (1959), entre outros filmes, continuou aficcionada por Richard Burton.* é verdade, não me esqueci, nem sempre este tipo de escolhas merece "justificações" e atoardas desse género. Mas eu prefiro, melancolicamente, chamar-lhes, tristes desencontros .






*se é que continuou...

quarta-feira, 18 de março de 2015

Rohmer é raríssimo

sobre os filmes de Rohmer, leio: "raríssimos, hoje em dia, pegam assim o público pelos cornos, talvez o que ele tenha de mais visível. Raríssimos recorrem, recorrentemente, à palavra fidelidade. Raríssimos preferem as perguntas às respostas, Rohmer é raríssimo."


João Bénard da Costa, Crónicas: imagens proféticas e outras, 2 volume, p. 193. 

terça-feira, 17 de março de 2015

jornal i #14 Beleza e Conservadorismo

O meu texto de hoje, para o jornal i:


Em “A Alma Conservadora”, Andrew Sullivan apela à renovação do pensamento conservador. Nikita Klaestrup, jovem conservadora dinamarquesa com um deslumbrante vestido preto com um generoso decote, levou a peito a sugestão de Sullivan. Suspeito que Sullivan não tinha isto em mente.  

A pergunta que se impõe é: será que o uso da beleza, essa obra do acaso, como instrumento de vida e de sucesso é eticamente reprovável? “Sinal de submissão”, ouço o coro das feministas rancorosas. A questão é antiga e tem raízes no Jardim do Éden. Deus disse a Adão: “Não comas a maça”, mas Adão não resistiu a Eva.  

Neste, como noutros temas, não podemos esquecer Dostoievski, que nos garantiu que a beleza salvaria o mundo, restaurando o espírito dos abismos do niilismo e do desespero. Respondendo à pergunta, o bom senso diz-nos que a beleza deve ser como o álcool, moderadamente usada. Ou seja, a subtil relação entre a beleza e a discrição preenchem os requisitos do hábito moral e ético politicamente aceites. 

Sendo Nikita uma promessa política, surge outro problema: deve Nikita usar a beleza como arma contra o vazio de uma alma, de uma ideologia política?

domingo, 15 de março de 2015

Agustina dantes. Agustina d'hoje.

Abro o diário de Miguel Torga e leio, a páginas tantas, a citação de Amiel: "chaque jour nous laissons une partie de nous-mêmes en chemin". Poderia citar tantos outros Amiel's, tantos outros poemas, mas não preciso de nenhuma sumidade para me atestar aquilo que o tempo e os outros me oferecem como prova: isto de a gente ser grande é mesmo como se pinta. Dia a dia não se dá por nada e os outros, melodiosos e sem culpa, aproveitando esses instantes terríveis que são os encontros furtivos e inesperados ao virar de cada esquina, vão-nos mentindo: "estás na mesma, não mudaste nada". "Há coisas que fazem tanta pena", disse Agustina num livro qualquer. Será uma ofensa eu agora afirmar: há coisas que fazem tanta saudade? Agustina dantes. Agustina d'hoje.

Fecho o livro, arrumo-o na prateleiro e volto às minhas rotinas. Há outras coisas para fazer, também. 


terça-feira, 10 de março de 2015

No filme de P. Thomas Anderson, Inherent Vice (2014), a personagem Shasta Fay representa uma incarnação do passado, um desejo inatingível, uma presença incerta. Sente-se, do início ao fim do filme, uma inquietude que atravessa toda a personagem de Shasta esboçada nos movimentos furtivos do olhar de Katherine Waterston. Shasta representa tudo aquilo que sempre nos fugirá de entre os dedos. É, por isso, o mais belo accomplishment do filme de Anderson.





jornal i #13 Nota de solidariedade com a venezuela

O meu texto de hoje, para o jornal i:


Em “O Homem Revoltado”, de Camus, existe um capítulo intitulado “Os assassinos delicados”. Aí, um jovem revolucionário e poeta, Kaliaiev, cismado em assassinar o ministro em nome da “causa”, é acometido, num minuto pungente, agudíssimo, de um sentimento que o impede de matar crianças da carruagem do grão-duque. A esse sentimento, capaz de abafar o seu espírito de rebeldia, chama-se compaixão. Foi esse sentimento que não acometeu o agente da Guarda Nacional Bolivariana quando matou um jovem em Táchira, Venezuela. A escalada de repressão do regime de Maduro é assustadora e a ausência de uma condenação explícita denuncia o silêncio conivente de países democráticos como o Brasil. A quem apoia um ditador, um criminoso, um inimigo dos direitos humanos e da liberdade individual, a história dá um nome: cretino.

De acordo com o “World Misery Report”, da Universidade John Hopkins, a Venezuela é o país mais miserável do mundo, ao lado da Argentina, Síria, Ucrânia e Irão. Portugal, já agora, aparece em 40.º lugar. As referências deste estudo são: inflação, desemprego, taxas de juro e actividade económica. Cruzando estes dados com o “Economic Freedom of the World Report”, concluímos que os dez países mais miseráveis apresentam uma pontuação de 120 (sendo 1 o melhor e 152 o pior). Fica evidente uma certa correlação entre miséria e fracos índices de liberdade económica. Podemos então assumir que os países que teimam em socializar a sua economia, ao invés de a liberalizar, esses mestres do combate à pobreza, apenas conseguem afundar-se nos índices internacionais de miséria. Caso para dizer que o problema do presente não é o neoliberalismo, mas sim o socialismo “dócil” e o comunismo “respeitável” que agora seduz gregos e espanhóis.

quarta-feira, 4 de março de 2015

jornal i#12: Um Razzie para Patrícia

O meu texto de ontem, para o jornal i: 


"Patrícia Arquette, de Óscar nos braços, abraçou a “causa” feminista com o mote da igualdade de género. Agradeceu “a cada mulher que deu à luz, [as que não deram ficam excluídas] e a cada contribuinte e cidadão dos EUA”, lutadores pela igualdade de direitos de toda a gente, num discurso muito apropriado para o ambiente de cinema ao nível da pipoca que até calhava bem a acompanhar o discurso. E continuou: “É a nossa hora de ter igualdade salarial de uma vez por todas e igualdade de direitos para as mulheres dos EUA.” Tudo muito polido. Lê--se, nas entrelinhas, “um outro mundo é possível”. Eu também acredito e aos 70 prometo pensar seriamente nisso.  
O problema foi quando pediram a Patrícia que desenvolvesse. Nunca se deve pedir a um radical que desenvolva. Mais uma vez, numa inflamada proclamação, a actriz explica: “É tempo de todas as mulheres na América e de todos os homens que amam mulheres, todos os gays, todas as pessoas de cor, todos aqueles pelos quais lutamos, lutarem por nós.” Patrícia esquece que “gays” e “pessoas de cor” são categorias que incluem mulheres. Não me interpretem mal: a vida das mulheres não é um conto de fadas. Os nossos problemas devem ser divulgados com precisão, honestidade e de forma menos histérica. O que me intriga é por que razão, com uma ou outra excepção, as militantes destas causas são tão voláteis, estridentes, intolerantes e imprecisas. Como escreveu a jornalista Katty Young, o feminismo tornou-se a sua própria caricatura: “uma Irmandade das Eternas Ofendidas, mais interessadas em atacar os homens que em celebrar as conquistas femininas”. Sai um Razzie para o discurso de Patrícia."