sábado, 24 de setembro de 2016

o cachimbo

Lembro-me bem do cheiro mas o que me impressionava era o ritual. Observava-o enquanto, minuciosamente, colocava e amassava o tabaco, com uma apropriada dose de firmeza. Acendia-o com inalações languidas, compassadas, preguiçosas, como que arejando a sua mente das preocupações  terrenas. Havia nos seus gestos, em todo este processo, algo de transcendente e metafísico. Sentia o meu Pai satisfeito, relaxado, bem chegado a casa, depois de, como ele dizia (e ainda diz, às vezes, com os olhos arregalados e plenos de si, um patriarca preocupado com  a sua prole), "ganhar a vida". Lentamente, o fumo saia-lhe da boca e expelia, em bafos longos, um fumo branco e espesso que ficava a passear por ali, a planar no ar. 

Meu querido Pai: esta frágil satisfação, este seu breve contentamento, confisco-os eu, hoje, agora,  deste sítio tão longe de si, para mim, para que os transforme em memórias de uma infância quente e aconchegante.

Bem haja.




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