domingo, 8 de janeiro de 2017

o que ainda temos

Quando vi o último filme de Mia Hansen-Løve tive a sensação de que a personagem de Huppert inicia uma fase nova na sua vida (afinal é isso o que está por vir) que começa com a morte da Mãe, com o divórcio, com o fim da publicação dos seus livros que anuncia a sua reforma, com o nascimento de um neto e com uma nova relação com um antigo aluno. Há dois factores que lhe permitem construir (e aproveitar) o que está por vir, essa nova fase marcada por uma libertação definitiva, por um corte com o passado: a natureza irreversível de todos aquelas marcos ou pontos de viragem da vida de Huppert (a morte da mãe, a aproximação da reforma e do fim de uma carreira, o nascimento de uma criança) e o caráter ou maneira de ser da personagem marcado por um certo conformismo ou resignação.

O problema com que me tenho deparado, sobretudo na vida de algumas pessoas que me são próximas é, em primeiro lugar, a dificuldade em lidar com o sofrimento, com o vazio que essa libertação provoca e, muitas vezes, com a trágica ausência de um corte radical, decisivo e final. É, talvez, um problema meu e dos que me rodeiam; um problema do nosso caráter: de rejeição do que esta por vir. Não por teimosia mas por esperança em conseguir manter o que temos no presente ou por força de uma enorme vontade em preservar os cadinhos de passado no presente. É uma espécie de inconformismo que nos leva a lutar pela vida, pelas relações amorosas e familiares, por uma vida profissional melhor, procurando, ao mesmo tempo, evitar mudanças no passado, prolongar os bocadinhos de passado no presente ou desfrutar do lado bom do presente. O que está por vir não nos interessa enquanto nos agarramos, com unhas e dentes, àquilo que (ainda) temos.





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