terça-feira, 18 de abril de 2017

Jornal i# 103 - A institucionalização da felicidade

Há duas semanas, para o i,

Há duas semanas, o governo criou o site da felicidade a propósito da comemoração do Dia Internacional da Felicidade. E eu que julgava que se há coisa que não se “internacionaliza” por decreto, que não se comemora de forma circunscrita no tempo e no espaço, é a felicidade. 

Atenção, caro leitor: não se trata do site felizes.pt, uma página, que não merece o patrocínio do Estado, usada para combinar encontros – e cito – “com maturidade”. De facto, a iniciativa do nosso governo pretendeu assinalar aquele dia e permitir que os portugueses partilhassem com o mundo as suas “experiências de bem--estar” e “celebrar a felicidade”.

Naquela data, decretada pela ONU na sequência de proposta do próspero reino do Butão, a submissa pátria lusa esqueceu todos os infortúnios e problemas do dia-a- -dia; naquela data, a tristeza era uma anormalidade e o fracasso, por 24 horas, seria erradicado do nosso país com o aval socialista: os portugueses tinham o dever de ser felizes! Bastava um vídeo ou uma foto que o governo se encarregava de promover e propagandear a felicidade dos súbditos do reinado da geringonça. A nossa esquerda parece, apesar de tudo, ser mais comedida do que, por exemplo, a esquerda venezuelana que, em 2013, criou o Ministério da Suprema Felicidade Social do Povo Venezuelano para garantir a felicidade de todos os venezuelanos através de uma fórmula aplicada ao coletivo. Conhecemos bem o resultado dessa formula “mágica”.
Não sendo possível comparar a situação política, económica e social dos dois países, certo é que a partilha de valores e de uma ideologia à esquerda se reflete neste tipo de iniciativas governamentais que, se por um lado distraem o povo, falsificam e maquilham a realidade nacional dos dois países, por outro comungam do mesmo fim: a intenção de oficializar ou institucionalizar aquilo que é vivido de uma forma individual por cada um de nós, à medida que vamos construindo a nossa história, sem interferência e sem publicidade do Estado. A felicidade, se existir, não é vivida em conjunto nem precisa de intermediações. Sobretudo quando estas são artificiais. 

Mas, por cá, o artifício não durou muito. É que em dia de felicidade, pouco depois de anunciada esta bela iniciativa governamental, é publicado, também pela ONU, o relatório mundial sobre a felicidade em 2017. Ao que parece, por muito que o Estado ambicione intermediar a felicidade dos seus, não tem sido bem- -sucedido no caso português: dos 155 países analisados, Portugal ocupa o 89.o lugar; com níveis de felicidade acima dos nossos encontram-se, por exemplo, a Venezuela (fruto do persistente trabalho do ministro da Suprema Felicidade em tempos tão convulsivos), o Paquistão, o Kosovo, o Turquemenistão, o Cazaquistão, entre outros; Portugal tem vindo a decrescer neste índice da felicidade e, se em 2013 ocupávamos o 73.o lugar, agora estamos no 89.o; da Europa, Portugal é o país com os índices de felicidades mais baixos e um dos países que mais antidepressivos consome.

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